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SerTão

“Não há probabilidade sequer de chuvas. A casca dos marizeiros não transuda, prenunciando-as. O nordeste persiste intenso, rolando pelas chapadas, zunindo em prolongações uivadas na gargalhada estrepitante das caatingas e o Sol alastra reverberando no firmamento claro, os incêndios inextinguíveis da canícula. O sertanejo, assoberbado de reveses, dobra-se afinal”.

 

Euclides da Cunha, “Os Sertões”

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APRESENTAÇÃO

“Ser Tão” se passa no Sertão do Pajeú, onde há um rio de mesmo nome dado pelos indígenas Tapuias, os primeiros habitantes. Mas a área de cerca de 10 mil km quadrados, onde vivem cerca de 300 mil pessoas, ficou mais conhecida como o berço do cangaço, ou onde nasceu o líder dos cangaceiros, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. É neste cenário, marcado por ações historicamente machistas e violentas, que nossas personagens, separadamente e em épocas distintas, decidem se apresentar ao mundo como sempre se reconheceram diante do espelho: Rayanna Sofia de Souza, Sabrina Marques, Angélica Kathiley, Desyrrê Cândido e Palloma Soares. De forma singular, elas criam coragem para enfrentar o preconceito e, muitas vezes, o deboche da sociedade, para ficar de bem com a própria voz. Deixam de ser vistas como gays para se tornarem o que sempre acreditaram ser: mulheres transexuais. Algo que o sexto personagem não conseguiu realizar. Morreu sem ter saído do “armário”, enquanto as pessoas que o conheciam, sabiam de seu eterno desejo em dar um rolê pela caatinga de salto e vestido esvoaçante. 

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PERSONAGENS

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REGIÃO

Em 1700, a área onde hoje se situa a cidade de Serra Talhada era uma fazenda de criação, pertencente ao português Agostinho Nunes de Magalhães. A propriedade era chamada de Serra Talhada em virtude de uma montanha próxima à sede, a qual é uma ramificação do sistema de montanhas da Borborema, de formação granítica, tendo uma das suas vertentes como que cortada à prumo. 

A posição privilegiada dos currais de Agostinho Nunes, nos caminhos que levavam ao Ceará, Paraíba, e Bahia, logo passaram a ser ponto de encontro de vaqueiros e peões que transportavam seu gado para estes estados, e assim, começa a formar-se um ajuntamento de feirantes, negociando principalmente animais, dentre outros bens. Nascia aí a vocação mercantilista do município. 

 

Com o comércio surgido pelo ajuntamento dos vaqueiros, peões e tropeiros, a fazenda começa a tomar ares de povoado e logo se transforma em Villa Bella, nome adotado após a emancipação de Pajeú de Flores, até então cabeça de comarca, em 6 de Maio de 1851.

Em 1893 é instalada a primeira Câmara Municipal de Serra Talhada e eleito seu primeiro prefeito, Andrelino Pereira da Silva, o Barão do Pajeú. Somente em 1939, por um decreto do então governador Agamenon Magalhães, Villa Bella recebe de volta seu nome de origem e passa a chamar-se Serra Talhada – “Terra de cabras Macho”.

A história da cidade é uma das mais ricas de todo o estado de Pernambuco. Seus fundadores participaram ativamente da história de Pernambuco e do Brasil, e seus descendentes, como Agamenon Magalhães, figuram entre as principais lideranças políticas brasileiras.

 

A cidade é rica também pelos seus artistas e intelectuais destacando-se como referência no cenário cultural do estado. Berço de figuras polêmicas, como Virgulino Ferreira da Silva (Lampião), a cidade começa a se destacar também no cenário turístico, explorando aí, além de sua beleza plástica, a figura do Rei do Cangaço, principalmente na dança criada pelo seu bando: o xaxado. Atualmente, com o slogan de “Capital do Xaxado”, Serra Talhada tem sido referência neste assunto para todo país, conseguindo reunir em Museu toda a história da saga “lampiônica”, transformando-se, conforme dizer de especialistas “num verdadeiro museu a céu aberto”.

 

Unidade Federativa: Pernambuco (PE) 

Mesorregião: Sertão Pernambucano 

Microrregião: Pajeú 

Região de Desenvolvimento: Sertão do Pajeú 

Municípios Limítrofes: Estado da Paraíba (N); Floresta (S); Calumbi, Betânia e Santa Cruz da Baixa Verde (L); São José do Belmonte e Mirandiba (O). 

Acesso Rodoviário: BR232 (via Caruaru). 

Distância até a Capital (Recife): 412,2 Km. 

Data da Instalação: 06/05/1851.

Gentílico: Serratalhadense.

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DESENVOLVIMENTO

A primeira etapa do projeto foi realizada em junho/2019, seis meses depois da pesquisa de campo nos municípios de Serra Talhada e Triunfo, distantes 32 km, onde moram as cinco mulheres transexuais.  

 

Cada uma delas recebeu a equipe em casa para entrevista principal e depois para imagens em áreas externas - praça, festa junina, ruas da vizinhança, universidade. 

A abordagem de chegar gravando com uma câmera menor permitiu que elas ficassem à vontade enquanto parte da equipe ia montando os equipamentos principais. 

 

Algumas apresentaram as mães que também deram entrevista e no caso de uma delas, o marido também se dispôs a gravar um depoimento e até dançar na sala da casa cheia de cortinas vermelhas esvoaçantes. Gravamos também com duas professoras universitárias, consideradas as “mamis” de uma delas, e ainda com um pastor de cabras e um servidor público que se diz integrante de uma família tradicional, que não admite ter gays e muito menos transexual. 

Nesta etapa temos imagens de drone da cidade, do rio Pageú repleto de garças, da Serra do Bico do Papagaio - um dos lugares mais altos de Pernambuco - e da serra de Serra Talhada. 

 

Vaqueiros vestidos a caráter cavalgam entre as personagens vestidas na caatinga, entre mandacarus e luzes de natal, num sítio no qual o proprietário se orgulha de estar no mesmo cenário onde Lampião teria dado “ a primeira grande surra no Estado”.

 

As personagens têm níveis distintos de educação e trabalho; há peculiaridades que as tornam únicas e diferentes entre si, mas há também semelhanças no que diz respeito à origem do desejo da transição de gênero, nas falas de apoio e preconceito na família e na sociedade sertaneja pernambucana.

 

O contato foi intenso mas insuficiente para revelar a tensão entre as mulheres trans e a comunidade; entre elas e o espelho. Todas afirmam que não fazem tratamento hormonal porque dizem que são mulheres desde sempre. Mas assumem que já pensaram seriamente em construir uma imagem mais feminina. Não fazem o tratamento ou procedimentos cirúrgicos porque têm medo, faltam condições econômicas ou realmente esta não é mais uma questão para elas? 

 

Há um personagem que não existe no documentário e que seria essencial para estabelecer uma comparação entre o passado e os tempos atuais nesta região de clima semi-árido e economia rural. Trata-se de alguém que viveu apenas o desejo de fazer a transição entre as quatro paredes de seu quarto. Que talvez tenha morrido sem conhecer a liberdade, o reconhecimento de sua identidade tal como se via entre quatro paredes. Por medo ou dependência da aprovação familiar, viveu e morreu sem sair do “armário”. Este personagem “morto” seria o elo entre o sertanejo de ontem e nossas personagens de hoje.

 

E para completar a investigação, um retorno ao Pageú, vai concluir a dinâmica de um documentário que se permite acompanhar a vida dos personagens em pelos menos dois tempos distintos. O que teria acontecido a elas entre os dois encontros? Valorizamos o vínculo estabelecido ao mesmo tempo em que abrimos caminhos para mais revelações, cumplicidade, imagens adicionais e surpresas.

 

Pretende-se ainda aprofundar a pesquisa sobre os costumes e tradições na terra de origem de Lampião, investigando as questões de gênero e estéticas que permeiam a comunidade local. Quais aspectos das histórias das personagens levantam conflitos acerca do gênero no Sertão do Pageú? O documentário intenciona retratar as relações e cotidiano dessas personagens para compreender essas questões.

 

Através de Rayanna, Palloma, Sabrina, Angelica e Desyrrê, pretende-se outros personagens e trazer para o cerne do documentário as tensões em torno do machismo, violência de gênero e o antagonismo dessa cultura com a histórica delicadeza do Lampião. 

 

Na segunda etapa de pesquisa e captação do projeto, o documentário deve encontrar vínculo com o sertão do Pageú e aprofundamento na pesquisa em torno dessa tensão.

 

Quando se trata do Cangaço, as mulheres foram pouco retratadas, e a história de Maria Bonita foi mitificada em torno de uma imagem feminista, no entanto a violência que sofriam era brutal, e nos anos de 1930 esse tema era invisibilizado. O filme deve se debruçar sobre essa temática através de entrevistas com historiadores e imagens de arquivo, e também através do personagem "morto" que nunca se apresentou à sociedade como gostaria por medo da violência atávica na atmosfera da região.

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LINGUAGEM

A LINGUAGEM:
A linguagem da série se baseia no híbrido de documentário e ficção – docuficção, para citar o neologismo que se refere a uma obra cinematográfica que trafega entre real e o imaginário– no qual os atores são “não atores”, personagens narrando suas histórias e representando as próprias experiências e realidade. O imaginário será a reconstituição do que foi dito, sentido, vivenciado sob a percepção das personagens, permitindo a criatividade de composições, enquadramentos, trilhas sonoras, movimentos subjetivos e silêncio. As expressões na vida no sertão pernambucano, num lugar onde a precariedade disputa o protagonismo da rotina das personagens, estão na narrativa inspirada também em Nelson Rodrigues, “ a vida como ela é. ‘
O riso, a dor, o preconceito, o ciúme, a inveja, o autocuidado, a autodescoberta, a narrativa rica em palavras será mesclada com cenas representadas por elas, heroínas de suas histórias de
transição de gênero.

A LINGUAGEM VISUAL

A câmera vai captar o cenário rico em mandacarus, com tardes banhadas pela luz amarela típica das regiões próximas à linha do Equador, onde circulam vaqueiros que ainda se vestem como o bando de Lampião, e sertanejos tocam instrumentos, cantam e dançam onde querem festa; onde jovens da comunidade LGBTQIA+ se reúnem na pequena arena numa praça de Serra Talhada; as igrejas e quermesses regadas a forró, fieis que murmuram em igrejas e seus sinos escandalosos, e quintais enfumaçados por churrascos de bode.

Para mostrar a espontaneidade e uma narrativa “vida como ela é”, a câmera se desloca com as personagens quando se movimentam dentro ou fora de casa. Para dialogar com os riscos que a transição de gênero apresentou na vida de cada uma das mulheres, um drone sai do rosto delas e abre para vales, precipícios, serra, em situações singulares e individuais. Imagens coloridas, das entrevistas às reconstituições das cenas, desabam nos olhos do espectador que, em algum momento, vai ouvir a pergunta de uma ou de várias delas: por que afinal ninguém pergunta para um cisgênero o mesmo que perguntam para nós: "quando você se tornou transexual?"

 

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DIREÇÃO

BIANCA VASCONCELLOS é jornalista e foi durante 10 anos responsável pela realização de programas no formato de documentário jornalístico – híbrido entre documentário e grande reportagem, na TV Brasil, a emissora pública brasileira. Vinte e nove episódios do Caminhos da Reportagem, nos quais fez roteiro e direção, foram premiados no Brasil e no exterior.  “Uma Guerra sem Herói”, vencedor na categoria de melhor documentário jornalístico das emissoras públicas da América Latina pelo Prêmio TAL (2016). E os documentários “A mão de obra escrava urbana” (2012), “Carandiru, as marcas da intolerância” (2013), “A Pele Negra” (2014), “Racismo na escola” (2016) que receberam menção honrosa do Prêmio de Anistia e Direitos Humanos Vladimir Herzog. Ainda na área de Direitos Humanos, fez a reportagem e a edição de “refugiadAs” (2018) vencedora do Prêmio CICV – Comitê Internacional da Cruz Vermelha de Cobertura Humanitária Internacional e finalista do Prêmio Vladimir Herzog. Em 2018 o ensaio fotográfico “ liquid invisibilities” com transexuais paulistanos numa piscina abandonada, foi exibido no Festival Luz del Norte em Monterrey e Cidade do México. O trabalho fotográfico “i am” com transexuais japoneses nas ruas e metrô de Shinjuko, Tóquio, foi exibido no Akta Community em Shinjuko (2019) e em  Osaka (2020). 

PRODUÇÃO DE CONTEÚDO

PATRÍCIA IGLECIO é produtora e pesquisadora de cinema no início de carreira. Com formação em jornalismo, trabalha com o desenvolvimento de projetos audiovisuais e documentais. Em 2019, trabalhou como assistente de produção da segunda temporada da Série documental “Viagem de Bolso”, e como assistente de produção executiva em um longa-metragem ficcional da produtora Mira Filmes. De 2018 a 2019, trabalhou como assistente de produção e pesquisa no documentário “Democracia em Vertigem”, indicado ao Oscar como melhor documentário. De 2014 a 2017, trabalhou na criação e desenvolvimento da Revista Vaidapé, um projeto de jornalismo e audiovisual independente, tendo coordenado editais públicos e ganhado prêmios com projetos voltados para a mídia comunitária brasileira.

FICHA TÉCNICA TEASER

PESQUISA DE CAMPO:

Alysson Souza

 

MONTAGEM:

Jay Viegas e Luísa Vasconcellos

 

CÂMERA E DRONE:

Jailton Costa

ASSISTENTE DE CÂMERA:

Laura Barbosa

 

PRODUÇÃO:

Ana Maria Guidi

direction

SERTÃO© - ALL RIGHTS RESERVED
2020

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